Aprendendo com os Museus

O Museu da Ciência e o Gabinete de Física da Universidade de Coimbra, situados um em frente ao outro no Largo Marquês de Pombal, estão instalados em edifícios criados com a reforma pombalina.

O Museu de Física, situado no antigo Colégio de Jesus, apresenta uma recriação de um gabinete de Física da segunda metade do século XVIII, bem como alguns instrumentos do século XIX.

O Gabinete de Física foi criado em 1772 no contexto da reforma pombalina do século XVIII, que veio introduzir a ideologia iluminista do ensino prático das ciências, atribuindo ao trabalho laboratorial uma importância central na formação dos estudantes.

Pelas suas características, a coleção de instrumentos de Física é uma das mais notáveis e raras no mundo. Os instrumentos do século XVIII, que deram origem a um dos mais completos gabinetes de Física experimental, são hoje considerados verdadeiras obras de arte, construídos em metal, marfim, madeiras nobres vindas do Brasil, sendo alguns de prata e outros banhados a ouro, tal como se exigia aos artefactos destinados a convencer os mais céticos das verdades cientificas dominantes na época. Quanto aos instrumentos do século XIX, representativos do desenvolvimento da Física experimental, remetem para a época em que se começam a descobrir as leis que regulam os fenómenos do eletromagnetismo.

O Museu da Ciência está, por sua vez, instalado no Laboratório Chimico, que se constitui como o mais importante edifício neoclássico português. Foi construído para o ensino da Química, entre 1773 e 1777, sendo um edifício único, representativo da história da Química.
A requalificação do edifício do Laboratório Chimico em 2007 permitiu aí instalar o Museu da Ciência, que em 2008 recebeu o Prémio Micheletti para o melhor museu europeu do ano na categoria de ciência.

O Museu da Ciência é um museu interativo onde, a par das coleções de instrumentos científicos da Universidade de Coimbra, encontramos um conjunto de experiências que envolvem os alunos em diversas atividades da exposição permanente: Segredos da Luz e da Matéria.

Os Museus de Física e da Ciência da Universidade de Coimbra, constituem um valioso património, podendo ser explorados numa perspetiva didática, de contextualização histórica do ensino das ciências, o que nos remete para uma análise em torno da História da Ciência (HC).

Alguns argumentos a favor da inclusão da HC na educação em ciências, referem que esta ajudaria os estudantes a chegarem a uma melhor compreensão dos conceitos científicos e da natureza do conhecimento científico (1), e sobretudo, permitiria revelar o caminho percorrido pelos cientistas, nos seus avanços e recuos, de construção do conhecimento científico, tendo em conta o contexto socioeconómico de épocas passadas. O correto conhecimento de como se desenvolveram e apresentaram muitos dos conhecimentos científicos, as controvérsias em que muitos cientistas se viram envolvidos, podem ajudar a compreender muitas das conceções alternativas dos alunos, e mais importante ainda, ajudar a resolvê-las aproximando-as do nível de formulação científica desejada.

Além disso, a HC pode contribuir para motivar os alunos; humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; contribuir para tornar as aulas de ciências mais reflexivas, permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento crítico; auxiliar o professor no desenvolvimento da epistemologia da ciência (2).

A importância da HC centra-se no facto de permitir revelar aos alunos que a ciência é uma construção humana, e que não deve ser sobrevalorizada a ideia de HC como resultante da ação isolada de grandes homens, desprovida dos contextos históricos, sociais e culturais da época em que estão inseridos. Assim, torna-se necessário transmitir uma visão da HC que refira sucessos e insucessos, avanços e recuos, debates e conflitos, e sobretudo, de que a construção científica teve no passado, assim como continua a ter hoje, um carácter de construção coletiva (3). Deve ainda ser acentuada a ideia de que a evolução científico-tecnológica está dependente da tomada de decisões político-sociais, pelo que se torna necessário reconhecer o percurso da própria HC. Neste contexto, o recurso à HC justifica-se como forma de promover a literacia científica e uma compreensão qualitativa dos conceitos científicos, contribuindo para motivar e desenvolver a curiosidade científica.

A terminar, resta referir que todos nós, alunos e professores, temos muito a aprender com os museus, pois tal como referia Auguste Comte, no século XIX: “Não se conhece plenamente uma Ciência enquanto se não conhece a sua História”.



(1) Matthews, M. (1994). Science Teaching: The role of History anda Philosophy of Science. Routledge, London.

(2) Matthews, M (1992). History, Philosophy, and Science Theaching: the present rapprochement. Science & Education.1(1), 11-47.

(3) Cachapuz, A., Praia, J. & Jorge, M. (2002). Ciência, educação em ciências e ensino das ciências. Lisboa: Ministério da Educação

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